"Se pintava uma mulher nua, nπo escolhia por modelo uma VΩnus grega, mas sim uma lavadeira... seios flßcidos, mπos deformes. AtΘ as marcas das alτas do corpinho e das ligas das meias deviam ser visφveis... E esta Θ sua natureza. Ele nπo suportava regras, nem cΓnones de proporτ⌡es para o corpo humano." Deste modo se descreve o conceito do nu feminino dentro da estΘtica perseguida por Rembrandt. Quem defende esta opiniπo Θ um poeta. O comentßrio foi recolhido, em 1718, por Arnold Houbraken dentro da biografia melhor considerada do pintor, atΘ bem avanτado o sΘculo XIX. O texto revela claramente o rechaτo que sofrem os nus artφsticos do pintor holandΩs, que se afastavam do decoro exigido naquela Θpoca.
A ·nica protagonista olha diretamente para o espectador. Estß sentada sobre uma espΘcie de rochedo, adotando uma postura indolente e relaxada. Os panos a sua volta sugerem que estarφamos diante da imagem de uma mulher que se banha, cheia de naturalismo. Os elementos acess≤rios sπo mφnimos, concentrando a atenτπo visual no motivo do corpo, protagonista exclusivo desta ßgua-forte. Sua realizaτπo se situa no ano de 1631.
AN┴LISE T╔CNICA E ESTIL═STICA
Rembrandt constr≤i um motivo figurativo que obedece uma clara estrutura piramidal. A mulher e o rochedo parecem conjugar-se em prol de uma representaτπo serena e equilibrada. Ela olha diretamente para o espectador, o que amplia o espaτo visual e fictφcio da estampa e rompe com o distanciamento da pintura clßssica. Ante-clßssica, Θ tambΘm a pose da personagem. Suas pernas e seu tronco marcam direτ⌡es opostas, eliminando a possφvel rigidez que implicaria colocar a figura de frente. Deste modo se consegue uma figura dinΓmica. O autor concebe a personagem cheia de espontaneidade. O cΓnon anat⌠mico empregado se afasta dos pressupostos acadΩmicos. A idealizaτπo desapareceu totalmente, sendo substituφda por um toque de verismo excepcional. A tΘcnica da ßgua-forte concentra uma maior iluminaτπo na parte superior da estampa. Com ela se destaca a cabeleira da mulher. A incidΩncia diagonal da luz oferece um deliberado contraste no modelado das diferentes partes do corpo. O artista esmerou-se em cada prega de sua branca pele. O resultado, extraordinariamente naturalista, nπo respondia ao gosto dominante nos cφrculos artφsticos do momento.
INTERPRETA╟├O
Esta figura ilustra perfeitamente um dos pressupostos estΘticos que marcaram a trajet≤ria do artista holandΩs. A realidade se torna uma fonte imediata de temas e modelos. Neste caso, nπo se realizou uma evocaτπo ideal da mesma. O mestre tratarß, obsessivamente, ao longo de sua carreira, a figura humana. Desterra o estudo das esculturas greco-romanas como ponto imediato de referΩncia. Ele parte da pr≤pria natureza, levando sua imediatez a um terreno que nπo foi aceito pelo ambiente artφstico de seu tempo. A idealizaτπo rafaelesca brilha por sua ausΩncia e a natureza do ser humano Θ objeto de um tratamento agudamente verista. Quanto α pr≤pria ßgua-forte, a documentaτπo hist≤rica nπo lhe concede uma segunda leitura de tipo mitol≤gico ou bφblico. Sempre se fala de uma mulher nua, que faria parte do amplo repert≤rio de estampas e desenhos dedicado a este tema. As imperfeiτ⌡es e deformaτ⌡es corporais tornam-se protagonistas da experiΩncia artφstica, que agora nπo se vΩ limitada pela idΘia do belo. Tal concepτπo parece extraordinariamente moderna.
